Luminoso Afogado
© Pauliana Valente Pimental
Luminoso Afogado que parte da obra homónima de Al Berto estreou em Lisboa em 2016 no Teatro da Trindade. Em Lisboa esteve também em cena no Auditório Fernando Pessa — Casa dos Direitos Sociais e no Espaço Alkantara. Apresentou-se também em Sines, no Centro de Artes de Sines, e integrou a programação da edição de 2018 do Festival Mindelact, em Cabo-Verde.
20 anos depois a encenadora Zia Soares revisita Al Berto, com quem desenvolvia na altura da sua morte a adaptação de uma outra obra do autor, “Lunário”. O espetáculo, produção do Teatro Praga, viria a chamar-se O Canto do Noitibó — primeira encenação de Zia Soares e o último projeto artístico de Al Berto.
LUMINOSO AFOGADO é uma espécie de linha da sombra, onde num confronto com o espelho, com a morte e com a passagem do tempo, uma pessoa não se reconhece, está entre ser o que é e outro irrecuperável e ausente.
Espectros rompem a barreira entre vivos e mortos, refazem nexos com línguas reconfiguradas a partir de outras: cantadas, carpidas, silenciosas. Um lugar onde o “silêncio é definitivo”, onde se oscila entre a memória e o esquecimento mais absoluto. Um mergulho onde se suspende a respiração noutro tempo, noutro lugar.
© Grace Ribeiro
Por isso o teatro, assimilando tanto, quase sempre por instinto, tem olhado a presença como suficiente à cena. No entanto, destituído de seu estado poético, aquele ou aquela no palco, se limita a existir como artificialização de uma representação vazia. Cabe ao corpo erguer as condições necessárias para validar a presença, quando, e mesmo se naturalista, o estar explode a ambiência fazendo-se sobretudo ocorrer como uma singularidade. É essa a grandiosidade da presença de Zia Soares: instituir ao momento um existir singular a todos, sobretudo aos espectadores. Em Luminoso Afogado, Al Berto existe morto e também enquanto morte, história e presente, lembrança e resposta. É o mar e rede que conduz e aprisiona fisicamente Zia, e o estímulo para ser o espetáculo um corpo próprio de biográfica narrativa.
Estão sobretudo nos silêncios os mais emotivos momentos desse reencontro. É como se a presença de Zia anunciasse a de Al Berto, que uma vez ali exige o retorno à dramaturgia como mecanismo de sua permanência e continuidade. É preciso respirar em uníssono com a atriz, desenhar no próprio íntimo as marcas narrativas por ela construídas, para assim provocar também um estado participativo ao espetáculo.
Adentrar-se ao mar simbólico por tão profundo ser a contemplação, o que faz com que o palco jamais esteja esvaziado, mesmo quando a atriz desaparece no emaranhado de fios, nós e escuros. Assiste-se o reconhecimento da própria morte e seu movimento ininterrupto, e essa é a experiência mais especial e radical passível de se dar a alguém Não se sai do espetáculo, se é devolvido ao mundo trazido por esse encantado mar cenográfico erguido principalmente de vazios.
Ficam, contudo, as ondas em seus movimentos escondidos no inconsciente de cada um. Agora morremos, sabemos. Morreremos, é certo. Enquanto Zia nos devora e convida a esquecer e guardar, querer e fugir, ser e desistir. O quanto de cada será definido pelo enfrentamento das próprias sombras? Zia expõe as dela com suas complexidades. E ali, afogando-se em passado e ausência, tanto quanto em futuro e pergunta, respira a falta e lembrança de um tempo pela qual resiste e vive: a própria poesia. Basta saber o quanto cada um é capaz de se olhar ao espelho, silenciar-se, molhar-se no imenso e profundo de seu oceano. Zia é dessas atrizes que são especiais já por existir. E ainda faz disso a manifestação de um talento descomunal, como poucas vezes se pode encontrar.
Ruy Filho, Antro Positivo
MINDELACT 2018, Alaim, Nave Principal, Mindelo
MINDELACT 2018, Alaim, Nave Principal, Mindelo
© Abdel Queta Tavares
Texto: Al Berto
Adaptação e encenação: Zia Soares
Interpretação: Gio Lourenço, Xullaji, Zia Soares
Elocução: Chullage, Filipe Raposo
Música e design de som: Xullaji
Design de luz: Eduardo Abdala
Espaço cénico: Zia Soares
Movimento: Maurrice
Figurinos: Inês Morgado, Neusa Trovoada
Fotografia: Abdel Queta Tavares, Grace Ribeiro, Pauliana Valente Pimentel
Design gráfico: Neusa Trovoada
Produção: Teatro GRIOT
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